O medo do novo, a insegurança, a aversão ao desconhecido e, até mesmo, a baixa autoestima, muitas vezes, são os nossos principais vilões no exercício da escrita de um texto para o vestibular. Aproveitando-se desses sentimentos corriqueiros na vida do vestibulando, é muito comum, por parte de professores de redação, o oferecimento de fórmulas mágicas, que viabilizam o preenchimento de lacunas na composição de um texto escrito. Esse mecanismo vem como salvação para quem não consegue estruturar um texto e precisa fazer isso urgentemente. Contudo, é inegável, também, o quanto essa concepção de escrita pode tornar-se extremamente limítrofe no universo das grandes provas de vestibular.
Aleatoriamente, citarei alguns exemplos clássicos de quando as fórmulas não dão certo. A maioria dos professores é levada a acertar os temas das grandes provas para parecerem, numa estratégia de marketing pessoal, o melhor professor de redação. Esse tipo de prática é ainda mais aparente em tempos de narcisismo social na internet. E quando o professor super-herói não trabalha o tema solicitado numa prova do ENEM, por exemplo, é comum a aparição de argumentos como “este tema é muito irrelevante”, “há muitos temas melhores”. Esse tipo de justificativa ocorre porque o professor não prepara o seu aluno para construir um projeto de texto sozinho, em que ele mesmo seja capaz de estruturar a progressão de sua composição. As lacunas deixadas pelo professor, em sua mágica de escrita, dessa vez, não coincidiram com o que o tema da prova pedia. Lembremo-nos de quando o ENEM 2019 solicitou o tema “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”. A histeria provocada pela não-habilidade de se falar desse assunto fez com que milhares de estudantes protestassem acerca de sua “irrelevância”. Esses vestibulandos desconsideraram ou ignoraram o fato de que, em 2019, éramos 10 milhões de surdos e temos uma expectativa de que, até 2050, chegaremos a 900 milhões no país, ou seja, de irrelevante não havia nada no tema. Ele apenas não havia sido trabalhado pelos professores de redação.
Quais as diferenças entre a redação do ENEM e da Fuvest
Não nos esqueçamos de que a prova de redação é nada menos que uma grande prova de leitura. É muito comum, também, existirem alunos que arrasam na redação do ENEM e da Vunesp e, no entanto têm uma nota bem insatisfatória em vestibulares como o da FUVEST e o da Unicamp. Tanto a Comvest (entidade responsável pelo vestibular da Unicamp) quanto a Fuvest já se posicionaram extremamente contrárias à decoreba de fórmulas e, inclusive, pensam nisso na hora de elaborar seus temas para as provas, com o intuito de impedir que tal prática, por parte dos vestibulandos, aconteça. O condicionamento de fórmulas leva-nos a sermos seres de leitura adestrada, incapazes de pensarmos sozinhos, principalmente, de maneira crítica, segundo essas entidades que organizam as provas dos vestibulares.
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Outro ponto absurdo que os profissionais que ensinam redação abordam, principalmente, em redes sociais é o oferecimento de frases-chave de autores, filósofos, sociólogos, historiadores. Tal prática chega ao ponto de oferecer a promessa de que tal frase decorada pode servir para qualquer tema que aparecer nas provas. Esses professores só se esquecem de dizer que, para o repertório sociocultural ser efetivado, ele deve ser produtivo, e só consegue aliar frases de autores a temas de redação com coerência quem possui a capacidade de escrita que pode ser aprendida num curso de redação que promova a liberdade e a segurança de escrever um texto inteiramente autoral, sem viabilizar apenas o preenchimento de lacunas.
Para tanto, apresento uma concepção de aula de redação na qual acredito e que evita o tal “branco” inesperado quando se tem na frente um tema nunca visto antes: a metodologia ativa de escrita, que visa a formar um aluno leitor, escritor e protagonista de seu próprio sucesso na redação do vestibular. Essa linha consiste na provocação de construção de textos autorais, baseados na elaboração de esquemas de escrita, efetuados, com segurança, pelo próprio aluno. Por meio da metodologia ativa, o estudante é capaz de identificar qual é o projeto de texto que se encaixa perfeitamente a cada tipo de tema. Por exemplo, há temas que, por serem muito polêmicos, pedem a unilateralidade do pensamento e da discussão dos argumentos. Outros aceitam que seja feito um projeto que viabilize o diálogo promovido pela contra-argumentação. É nesse sentido que o professor de redação deve atuar: ajudando seu aluno a raciocinar e a chegar a uma decisão, sozinho.
Ah, mas e com relação ao uso dos recursos coesivos? Como o professor que usa uma metodologia mais ativa atua? Esse professor, como todo professor de redação, é responsável pela apresentação da diversidade de conjunções e de outros recursos coesivos, bem como também tem responsabilidade pelo aprendizado semântico de tais recursos. O professor é quem oferece as ferramentas, quem dá os seus significados e quem auxilia o aluno a utilizá-las, porém quem executa o trabalho com essas ferramentas é o aluno. É só o conhecimento exímio da diversidade de conjunções, e de todos os recursos de coesão, que permitirá ao estudante a ter um aparato gigantesco de possibilidades e que, consequentemente, irá impedi-lo de usar um “contudo” no início do parágrafo de conclusão e irá impedi-lo de repetir a mesma conjunção no decorrer do texto.
Ah, mas se a metodologia ativa é contra a decoreba de frases prontas, como o professor de redação, que adota esse esquema em sala de aula, auxilia o aluno? O professor de redação de metodologia ativa não se exime da sua obrigação de trazer repertório sociocultural para sua sala de aula. Muito pelo contrário, ele é responsável direto por essa ação. Conhecimento de História, Filosofia, Geografia, Sociologia, Literatura não é demasiado a nenhum profissional da Educação e, muito menos, ao professor de redação. Porém, o trabalho desse último profissional vai além: ele trabalha com o que o aluno sabe, apresenta novas possibilidades e o ajuda a traçar um paralelo entre o tema desenvolvido e o repertório escolhido. O professor de redação consegue desenvolver, juntamente com seu aluno, o aparato linguístico necessário para que esse elo se configure positivo. Nesse sentido, nada se torna clichê: nem Bauman com sua Modernidade Líquida, nem Hobbes, com seu “O homem é o lobo do homem”, autores que se transformaram no terror dos corretores de redação.
O estudante não deve se esquecer de que a redação do vestibular é apenas a chave de entrada para um universo que, independentemente da escolha do seu curso, vai solicitar dele a escrita de muitos outros textos e não haverá fórmulas capazes de ajudá-lo nesse momento. Quem sabe fazer um projeto de texto de redação para vestibular sozinho é aquele que vai construir seu projeto de pesquisa logo no primeiro ano da Universidade, e vai se sobressair perante outros, que só o conseguirão mediante o auxílio raro e a dependência de um mestre que trabalhe com metodologia científica. Dessa forma, o compromisso do professor de redação com metodologia ativa na produção de texto não é com a prova que vai ser realizada no final do ano apenas, mas, sim, com a vida do cidadão leitor e escritor.
Prof. Dr. Taciana Belluci
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